O aumento da capacidade de sedimentação de um tanque de decantação é conseguido pelo incremento da superfície onde sólidos e lodo podem decantar, superfície essa que não precisa ser obrigatoriamente horizontal (se for, requer um aumento significativo da área ocupada pelo decantador). Esse incremento da superfície, e consequente ampliação da capacidade de decantação do processo, pode ser conseguido sem que ocorra o aumento da infraestrutura do tanque, mas tão somente através da inclusão, no volume do decantador e participando do seu circuito hidráulico, de componentes com características que contribuam para e resultem nesse incremento da superfície, sem prejudicar a hidráulica do processo. Como assim ?
A água contendo sólidos em suspensão é alimentada ao tanque decantador através de uma parede submersa perfurada (que ocupa toda a área de seção reta do tanque), ou por uma ou várias tubulações. Dependendo das condições hidráulicas e dimensões do tanque, tubulações percorrem longitudinalmente o comprimento do tanque, distribuindo a água de modo uniforme na base dos módulos de decantação.
A coleta da água clarificada acontece no topo do decantador, no nível d’água, através de vertedouros instalados em canaletas ou através dos orifícios de tubulações, dispositivos que encaminharão a água para a etapa seguinte, por gravidade. A água entra e sai do decantador por gravidade, seguindo uma trajetória, um circuito hidráulico desde a entrada até à saída do tanque, circuito esse que na parte central do tanque, assume uma direção verticalizada e um sentido ascensional.
Se na parte central do tanque forem instaladas superfícies inclinadas, promovendo a sedimentação dos sólidos devido à baixa velocidade ascensional da água, está criado o processo de decantação de alta taxa. Essa inclinação, quanto maior do que 60º com a horizontal, resultará em uma área efetiva proporcionalmente menor; se menor que 60º com a horizontal, proporciona uma área efetiva maior, mas o menor valor do ângulo dificultará o escoamento dos sólidos sedimentados, requerendo uma maior frequência de limpeza.
O processo de decantação de alta taxa é amplamente utilizado em potabilização de água para consumo humano e animal, em adequação de água para uso industrial, e em clarificação de águas após processos de tratamento biológico e físico-químico, por duas principais razões: 1ª, é um processo muito eficiente, implicando em um custo médio de instalação e um custo muito reduzido de operação; e 2ª não requer componentes elétricos ou mecânicos, nem especialistas para sua operação. É um processo simples de implantar e de operar, podendo ser instalado em tanques ou decantadores novos ou previamente existentes, de qualquer geometria.
Dependendo da superfície específica disponibilizada por metro cúbico de módulos de decantação, e do ângulo de instalação formado entre os canais e a horizontal, a capacidade de tratamento pode aumentar em até 15 vezes, comparativamente com aquela vazão e fluxo de sólidos tratáveis em um decantador convencional, não equipado com módulos de decantação de alta taxa.
No entanto, para que o processo seja de fato eficiente, é muito importante capacitar o sistema com as condições adequadas. Neste texto é abordada a seção do canal de decantação, não quanto ao seu formato e dimensões, mas quanto à coerência e constância de sua geometria, parâmetros fundamentais para a eficiência da decantação.
Como se pode ver, o vetor da velocidade ascensional da água (em azul, carreando sólidos) precisa ser inferior ao vetor gravidade (em vermelho), para que a partícula possa seguir uma nova trajetória (em verde) e decantar sobre a superfície inclinada interna do canal.
Quando mais próximos forem os valores dos vetores azul e vermelho, maior precisa ser o comprimento do canal de decantação para que a partícula venha a sedimentar em sua superfície interna; se esses valores forem realmente muito próximos, a partícula não sedimentará. Por isso são tão importantes os parâmetros que regem a sedimentação, entre eles a distância entre as superfícies do canal, os vetores da velocidade no canal, e a manutenção desse delicado equilíbrio ao longo da trajetória ascensional da água.
Quando o canal se sedimentação possui uma altura ou campo constante (afastamento entre as superfícies perpendiculares ao sentido do fluxo), esse equilibro é mantido igualmente constante; mas se o canal possuir uma abertura com diferentes medidas ao longo da seção reta do perfil, existirão diferentes velocidades em uma mesma cota vertical, implicando em gradientes de velocidade e arraste de sólidos (eficiência comprometida!)
A figura 2 apresenta algumas geometrias de perfis comumente usados no Brasil em processos de decantação de alta taxa, quer em ETA’s (clarificadores e decantadores) como em ETE’s (decantadores primários, secundários, terciários e reatores SBR / batelada, estes últimos muito usados em sistemas de lodos ativados). A maioria dessas geometrias possui uma altura / campo de canal não uniforme ao longo da largura, o que resulta em diferentes velocidades na mesma cota vertical [como v=Q/A, se a largura varia, a área da seção também varia, tal como a velocidade]. A consequência é o arraste de partículas ao longo do canal, que ocorre naturalmente porque (ver figura 3), se em a) a velocidade for de 2,0 cm/min, em b) será de 2,2 cm/min.
Caso tenha sido considerada uma velocidade de sedimentação crítica para todo o processo de 2 cm/min, os sólidos que estiverem em a) vão sedimentar, mas não em b); se tiver sido considerada uma velocidade de sedimentação crítica para o processo de 2,2 cm/min, haverá eficiência, mas o perfil precisará de um maior comprimento do que para atender 2,0 cm/min (portanto, será mais oneroso). É desvantajoso usar geometrias cuja altura (distância entre superfícies) não seja uniforme ao longo de sua largura.
Da figura 2, apenas as geometrias f) e g) atendem tal uniformidade, pelo que a velocidade da água em qualquer ponto da área da seção reta é constante. Somente se instalados módulos de decantação com uma geometria que proporcione a mesma velocidade em qualquer ponto da área de sua seção reta, é possível prever com exatidão a velocidade de uma partícula em dada cota do comprimento do canal.
Os padrões de potabilidade e qualidade da água variam em função do tratamento realizado, do local da amostragem e do uso previsto para a água, e estão cada vez mais exigentes. O processo de decantação nterfere e influencia diretamente na capacidade que ETA’s e ETE’s possuem para produzir uma água ou efluente tratado em conformidade com os padrões de qualidade requeridos, respectivamente, de potabilidade e de descarga.
Na tentativa de participarem no mercado, uma série de produtos criados especificamente para outras aplicações e utilizados há décadas em vários segmentos industriais, têm vindo a ser publicitados como adequados para uso em processos de decantação de alta taxa: alguns fabricantes tentam vender eliminadores de gotas, que são componentes plásticos utilizados em processos industriais, nomeadamente em torres de resfriamento de água; outros tentam convencer o público menos atento sobre as vantagens do uso de meios filtrantes ou coalescentes, de utilização em separadores de água- óleo, em filtros biológicos, e também em torres de resfriamento de água e em lavadores de gases; outros fabricantes, ainda, fazem pequenas alterações em um produto existente, e o publicitam como inovador, por vezes sem saber ou compreender as razões de tal geometria, o porquê dos ângulos, as consequências de determinado raio hidráulico, campo de canal ou comprimento da peça.
Como o demonstram várias substituições nos últimos anos por todo o Brasil, desnecessárias, é da maior importância instalar um produto que de fato cumpra o propósito de tal investimento.